CACILDA volta a cartaz depois de 10 anos. O texto, criado em 95 por Bertho Filho na Escola de Teatro da UFBA, retorna pelas mãos da sua diretora original: Cristiane Barreto, que comemora também seus 10 anos de carreira. O texto tem como base a linguagem do teatro do absurdo e foi concebido como uma homenagem a Eugene Ionesco um dos grandes nomes do estilo. A peça trata das relações humanas contemporâneas e o paradoxo com a incomunicabilidade que enfrentamos no cotidiano dos grandes centros urbanos. Confira agora o que a diretora traz ao público com essa montagem que traz, de um lado, marido e mulher que jogam cartas e se comunicam através delas, uma empregada e um estranho visitante. Do outro, um casal que vai ao teatro, mas não concorda quanto ao dia e o horário do espetáculo.

Por que montar Cacilda novamente, 10 anos depois?

Essa peça foi o começo de tudo. Foi minha primeira direção e na época eu nem pensava nessa possibilidade, cursava interpretação - e hoje dirijo mais do que atuo. Foi o primeiro texto de Bertho, escrito para a disciplina Dramaturgia I, de Cleise Mendes, dedicada ao estudo do teatro do absurdo. Éramos colegas e ele me chamou para dirigir essa peça em que ele faz uma homenagem a Eugéne Ionesco. Para mim foi um marco, porque me abriu outras possibilidades na escola. Na época, a peça foi encenada com os atores Arthur Brandão, Widoto Áquila, Gil Cortes e Rino de Carvalho, pelos quais tenho grande respeito e consideração, e teve uma boa repercussão no meio acadêmico e artístico. O tema continua sendo atual.

O que mudou para você optar por seguir na carreira de diretora?

A partir daquele momento, vi que sou uma "pessoa de teatro". Hoje sou atriz, diretora, professora... Mas para atuar, interpretar "o outro", é preciso estar com a cabeça livre de preocupações e sem grana não dá para ser assim. Na direção, consigo trabalhar sem ser afetada por essas preocupações, mas para viver uma personagem, não.

No elenco de Cacilda, há somente homens e você afirma que foi uma interferência sua sobre o texto. Há alguma razão especial para isso?

Quando li o texto de Bertho, achei muito bom, mas as indicações com homens e mulheres poderiam cair no besteirol, que na época era muito explorado nas montagens daqui, como A Bofetada, que tinha homens vestidos de mulheres. Não queria ficar presa a uma fórmula, por isso optei pela alteração. Foi também nessa época que eu assisti ao filme Cães de Aluguel, de Quentin Tarantino. Aquela atmosfera masculina, então, me influenciou muito - ternos, jogo de cartas, cigarro. Além disso, gosto muito de dirigir homens. Acho que existe uma afinidade, a relação não tem muitos melindres. Me sinto mais à vontade. Mas isso não chega a ser uma regra, é só uma peculiaridade que eu tenho.

Por que Tarantino?

Acho que o cinema de Tarantino tem muito do teatro do absurdo. Aquela seqüência inicial de Cães de Aluguel mesmo: os caras estão se preparando para um assalto a banco e estão conversando sobre bobagens. Isso é absurdo! Ele trabalha muito bem com essa inadequação entre situação e ação. Não sei se é algo consciente por parte dele, mas muitas vezes a linguagem é desconexa ou contradiz as ações ou situações vividas pelos seus personagens. E tem o universo masculino com signos bastante fortes.

Como foi que você chegou ao elenco atual?

A maior parte dos atores que pensei para este elenco estavam ocupados em outros projetos. Todo mundo está se desdobrando no trabalho, não foi fácil encontrar os meninos, mas felizmente encontrei eles, que estão fazendo mil coisas, mas tentamos adequar nossas disponibilidades e os ensaios foram regados a muito humor. . Estava atrás também de alguns tipos físicos específicos ? queria um ator negro, por exemplo. Acho que o mercado profissional teatral baiano precisa ser renovado. Acho bobagem de alguns diretores, atores e atrizes já consagrados daqui, falarem em entrevistas que em Salvador não tem acontecido nada de novo nem na área de direção, nem na área de interpretação. É querer tapar o sol com a peneira. Tem muita gente boa sim e muita gente fazendo um tipo de teatro mais alternativo, mais ousado, sem grana, sem a figura de um grande produtor e sedando muitissímo bem. Infelizmente, o que falta é espaço e grana para todos,oportunidades e muita ética também.

Como você definiria o clima da peça?

Cacilda é cheia de signos masculinos, é um universo masculino que passa pela música de Jeff Beck que escolhi como trilha, pelo figurino, pela ambientação. Por outro lado, provoca indagações sobre gênero e suscita curiosidade, porque não tem uma seqüência lógica. Tem um ar de mistério sobre as relações entre aqueles personagens, mas há também coisas risíveis do cotidiano que se tornam mais engraçadas por causa dessa dubiedade. Mesmo assim, a peça não traz "caco", é precisa para dar destaque às relações.

O que vocês querem dizer ao público através de Cacilda?

As dificuldades de relacionamento já estão aí há um bom tempo, talvez hoje a coisa esteja pior do que há 10 anos. A incomunicabilidade é algo presente nos grandes centros, porque apesar do fluxo de informação ser grande, dos mecanismos de comunicação terem avançado - telefone, celular, e-mail, internet... - as pessoas não conseguem se relacionar ao vivo. Falamos do esvaziamento das relações, usamos símbolos dos veículos de comunicação, da globalização para fazer uma crítica a tudo. Cacilda é só um suporte.

sex/sab
19h
$ 5

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