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Corpo a corpo
Cia. de Dança Palácio das Artes apresenta `Coreografia de cordel´, hoje, no Teatro Vila Velha

A Cia. de Dança Palácio das Artes criou a montagem a partir de processo coletivo e de investigação em campo, em espaços como feiras e matadouros de boi

Cláudia Lessa - Correio da Bahia

Na passagem pela cidade mineira de Medina, na região do Vale de Jequitinhonha, os bailarinos da Cia. de Dança Palácio das Artes se debruçaram sobre uma pesquisa sobre a cultura local. Colheram impressões e vivenciaram experiências que foram transfiguradas em dança na Coreografia de cordel - um espetáculo "forte, ousado, denso e poético", como o grupo define. As histórias pessoais dos 22 dançarinos da companhia serviram também de fonte de inspiração para a montagem que tem única apresentação em Salvador, hoje, às 21h, no palco do Teatro Vila Velha.

A montagem é fruto de um projeto homônimo, que inclui ainda intervenções urbanas, vídeos digitais e exposição fotográfica. Dentro da proposta de abrir para outras expressões artísticas, o projeto apresenta amanhã, às 10h30, na popular Baixa dos Sapateiros, a performance A mulher das panelas, um solo com a bailarina Sônia Pedroso. Já no foyer no TVV, antes do início do espetáculo Coreografia de cordel, serão exibidos os vídeos A superfície do abismo e Tonos, respectivamente de Pablo Lobato e Marília Rocha.

Com direção de Tuca Pinheiro, o espetáculo do grupo mineiro fundado há 34 anos pelo ex-bailarino do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Carlos Leite (1914-1995), é uma paródia à literatura de cordel - algo genuinamente popular, como as feiras e os matadouros de boi, utilizados pelo diretor como fonte de inspiração para mostrar a luta do dia-a-dia pela sobrevivência. Cordel, no sentido de corda delgada, serve de fio condutor de corpos carregados de histórias e experiências.

Coreografia de cordel é uma reflexão sobre a possibilidade de conhecer, experimentar e trocar. No palco, histórias, dramas, sonhos individuais se entrelaçam a histórias alheias. Gestos, expressões, atitudes, valores, crenças e dores revelados e captados foram traduzidos por corpos em movimento. Outros instrumentos como a voz, a música e os ruídos são utilizados para traduzir esse encontro. "Os bailarinos trouxeram seus corpos por um fio (as mulheres ficam penduradas, mas não caem). As vozes arcaicas do coração do Brasil alimentam nossas almas e samplers dialogam com o tempo em que nos achamos numa sintonia instigante", observa Daniel Maia, que assina a sonoplastia. O projeto de Jamile Tormann, por sua vez, utiliza panelas de alumínio como spots para a iluminação de várias cenas, em tom vermelho, roxo e azul. O figurino é de Marco Paulo Rolla.

Processo criativo - Coreografia de cordel é fruto de um "processo colaborativo", como ressaltou a diretora artística, Cristina Machado, que assumiu a companhia em 1989 apostando no dançarino-criador. As imagens recolhidas no local foram transformadas em movimentos e trazidas para o corpo conforme a criatividade do repertório de cada bailarino. "Tivemos nesse trabalho total liberdade de transformar e de agregar informações vindas do próprio público", completa.

A interatividade entre bailarinos e platéia é possibilitada graças à idealização do teatro de arena como espaço para exibir a montagem. "O espetáculo foi concebido para ser apresentado entre duas arquibancadas, como se o palco fosse uma passarela. O Teatro Vila Velha é ideal, já que oferece essa mobilidade".

Realçar a potencialidade criadora dos bailarinos, incentivando e fomentando a pesquisa em dança - em contrapartida ao passado do grupo, ligado ao balé clássico - tem sido o ideal de Cristina Machado. A ex-bailarina da companhia vem investindo há cinco anos na elaboração de produtos artísticos - para os quais o bailarino é fonte de inspiração e co-autor das obras - e na realização de espetáculos que promovam a circulação e a aproximação com o público.

A primeira fase do processo de criação de Coreografia de cordel foi dirigida pela pesquisadora e coreógrafa Graziela Rodrigues (coordenadora da Escola de Dança da Universidade de Campinas). Durante dez dias de 2003, o grupo viveu a liberdade de escolher seu próprio espaço e criar sua própria célula coreográfica. Na segunda etapa, o bailarino e coreógrafo Tuca Pinheiro, responsável pelas oficinas de criação e aulas de técnica contemporânea da companhia, veio com a proposta de montar um espetáculo com o material trazido pelos bailarinos.

Os resultados iniciais de Coreografia de cordel foram mostrados para os moradores de seis cidades do Vale de Jequitinhonha, em julho do ano passado, com a realização de ensaios abertos em galpões, praças públicas e ruas. Dois meses depois, estreou em Belo Horizonte e, recentemente, foi exibido na França. "Criamos um trabalho que leva o público a transitar num espaço entre a espiritualidade e a insanidade. É tocante o espetáculo", arremata Cristina Machado.

FICHA
Espetáculo: Coreografia de cordel
Elenco: Cia. de Dança do Palácio das Artes (MG)
Direção: Tuca Pinheiro
Dia/horário: hoje, às 21h
Local: Teatro Vila Velha
Ingresso: R$5 (preço único promocional)

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