Entrevista com o dramaturgo romeno Matéi Visniec



Há cerca de dois anos, um romeno tornou-se de repente um dos dramaturgos mais populares no Brasil. Tudo começou com a publicação, de uma só vez, de vinte de suas obras, pela editora É Realizações. Desde então, Matéi Visniec já foi montado em diversos estados, por diretores como Miguel Hernandez, André Abujamra, Rodrigo Spina e até pela atriz Regina Duarte. Sua primeira visita ao Brasil aconteceu à convite do Teatro Vila Velha, em outubro de 2013, ocasião em que assistiu à primeira montagem de texto seu pelo encenador Marcio Meirelles: Espelho para Cegos. De lá pra cá, a relação entre os dois artistas ficou cada vez mais próxima e o Teatro Vila Velha montou ainda Por que Hécuba, O Último Godot e A Mulher como Campo de Batalha - todos assistidos por Visniec em sua segunda visita a Salvador - e apresenta em julho e agosto de 2015, de quarta a domingo, cinco novas peças do autor romeno, dentro do PROJETO MATÉI. São elas: Fronteiras, Agorafobias, Deserto, A História dos Ursos Pandas e As Palavras de Jó - monólogo que marca o retorno de Meirelles aos palcos, como ator, depois de 36 anos.

Abaixo, leia a entrevista do dramaturgo Matéi Visniec concedida à jornalista Eduarda Uzêda no último dia 6 de julho, por e-mail, para uma reportagem no Caderno 2 do jornal A Tarde.

As peças do senhor têm sido montadas com certa frequência no Brasil. O senhor tem gostado do resultado? Acha que os diretores captam bem suas ideias?
Antes de mais nada, eu gosto da fraternidade cultural. Eu sou um autor que concede os direitos para todos os diretores, a todas as companhias. Eu conheci, nos dias de minha juventude na Romênia, a ditadura e a falta de liberdade, e eu quero que minhas peças sejam mensagens de liberdade. Eu não vi todas as produções de minhas peças no Brasil, mas estou extremamente satisfeito que meus textos despertem esse interesse. Para mim, isso prova que o teatro é uma linguagem universal. Algumas vezes eu vi imagens de encenações de minhas peças. No Rio, São Paulo e Salvador também pude assistir a alguns espetáculos. Cada uma dessas vezes eu fui movido pela energia dos atores e o espírito engajado dos encenadores. Eu acho que o teatro tem uma espécie de vitalidade no Brasil. Em relação aos diretores, eu lhes dou toda a liberdade para montar as minhas peças. Meu teatro é aberto a interpretações infinitas… Este é o poder da arte. Este é o conceito de obra aberta. Encorajo outros artistas (diretores e atores) a encontrar-se livremente nas minhas peças para encontrar os seus problemas e anseios, seus ideais e suas dúvidas…

Como começou a sua parceria com o diretor baiano Márcio Meirelles?


Minhas peças são encenadas no Brasil graças ao meu editor, Edson Filho, que descobriu o meu teatro na França e começou a publicar os meus trabalhos em Português. Vinte das minhas peças estão agora disponíveis e circulando no Brasil, e foi assim que eu conheci Marcio Meirelles. Especificamente, Marcio descobriu minhas peças em uma livraria e decidiu começar a monta-las. Esta é talvez a melhor maneira de um encontro com um diretor, com a publicação de um texto… Marcio é como meu irmão gêmeo. Nós temos a mesma cultura teatral, nós gostamos dos mesmos autores, ambos achamos que o teatro tem uma dimensão social, que é uma luta para a beleza, mas também para a verdade. Nós acreditamos que o artista tem uma missão na sociedade. E é por isso que eu encontrei em Marcio um “irmão” cultural… Foi ele quem me convidou pela primeira vez ao Brasil e que me fez descobrir esse país incrível… Já fui duas vezes ao Brasil e vi muitas das minhas peças montadas por Marcio. Foi um verdadeiro prazer. Se você nunca viu um autor feliz, você deve pensar em mim. Eu tive a oportunidade de conhecer nesta vida pessoas apaixonadas como Edson Filho e Marcio Meirelles, que estão muito longe de onde eu moro, mas tão perto de mim culturalmente.

Por que o senhor convidou Márcio Meirelles encenar As Palavras de Jó?

Um dia, conversando com Marcio, eu tive essa revelação de que ele poderia desempenhar o papel de Jó como eu concebi em meu monólogo. Eu penso que este texto se encaixa como uma luva para ele, na forma e conteúdo. Eu escrevi originalmente para um marionetista francês, Eric Deniaud, que já trabalhou bastante com meus textos. Mas logo percebi que este texto poderia agradar também a Marcio. Ele tem a natureza deste personagem e, sobretudo, a experiência de luta social e artística… Espero com emoção ver Marcio desempenhando este papel.

Que traços distinguem suas obras de outros dramaturgos?


Difícil dizer. Eu sempre tentei ser… eu. E eu escrevi um monte de peças que não se parecem entre si. Eu não gosto de me repetir, eu gosto de surpreender e surpreender-me. Mas eu sempre mantive minhas peças em uma mesma dimensão poética. Talvez esta mistura de fábula filosófica, poesia e teatro político tenha feito a marca “Visniec”.

O que você acha da dramaturgia brasileira?


Agora eu descobri o teatro brasileiro. Eu há muito tempo descobri o cinema (“Central do Brasil”, “Cidade de Deus”), e também a literatura brasileira (Jorge Amado, Paulo Coelho). E eu gostaria de ver mais autores brasileiros encenados na Europa.

Que impressão o senhor tem do Teatro Vila Velha?


O Teatro Vila Velha é um grande laboratório artístico, mas também humano. É um lugar que amamos imediatamente, que tem uma alma. Eu me sinto muito em casa neste teatro e eu também admiro a ação pedagógica de Marcio. O espaço é muito especial e incentiva a liberdade artística e a criatividade. Tenho visto poucos lugares como o Teatro Vila Velha no mundo.

Para conhecer a programação do Projeto Matéi, que apresenta cinco peças do autor romeno encenadas por Marcio Meirelles, acesse www.teatrovilavelha.com.br

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